top of page

Quando o Homem Perde as Mãos

  • Foto do escritor: psificando
    psificando
  • 25 de nov.
  • 3 min de leitura

Uma reflexão sobre masculinidades, feridas antigas e o silêncio que nos adoece


A pêra símbolo da ferida do feminino, a adaga símbolo da duplicidade e o peixe símbolo da ferida do rei pescador uma grande ferida do masculino.
A pêra símbolo da ferida do feminino, a adaga símbolo da duplicidade e o peixe símbolo da ferida do rei pescador uma grande ferida do masculino.

Há histórias antigas que parecem ter sido escritas para este século.

Uma delas é o conto da Donzela Sem Mãos, recolhido pelos Grimm.


Ele começa com um pacto feito por um pai ingênuo, seduzido pela promessa de riqueza.

O diabo vem cobrar sua parte e exige a filha, mas ela é tão íntegra que se torna inalcançável.

Então surge outra exigência: que cortem suas mãos.


Ela parte pelo mundo incapaz de tocar.

E quando finalmente encontra abrigo e amor, recebe um par de mãos de prata para substituir as que perdeu.

Mãos fortes, belas, funcionais.

Mãos que resolvem o problema, mas não devolvem a vida.


É só depois de anos de exílio e silêncio que suas mãos verdadeiras começam a crescer novamente.

Lentas.

Vulneráveis.

Humanas.


Os contos sempre fala sobre nós, mesmo sem sabermos.

E quando penso nas masculinidades de hoje, ele parece ainda mais significativo.


Vivemos num mundo que nos empurra constantemente para a eficiência.

Byung-Chul Han chama isso de a sociedade do desempenho:

Um modo de existir onde somos convocados a funcionar o tempo inteiro, a produzir, responder, melhorar, otimizar.


Nesse caminho, muitos meninos aprendem cedo a amputar partes essenciais de si.


A mão que toca e sente, que busca conexão, a mão que pede ajuda… vai desaparecendo.

No lugar dela, nasce uma mão polida:

a mão que resolve, que aguenta, que carrega tudo no silêncio.


É a nossa “mão de prata”. Linda mas artificial.


E não importa quantas conquistas ela segure — ela não sente.

Não percebe quando algo dói.

Não sabe pedir repouso.

Não reconhece quando está sobrecarregada.

Só continua.


Até que, um dia, o corpo fala.

Ou o relacionamento colapsa.

Ou o homem não sabe mais o que sente por trás do barulho.

Ou a vida se torna um zumbido contínuo como o robô da história moderna contada por Robert Johnson - onde até o coração parece ter sido substituído por funcionamento.



O mito da Donzela Sem Mãos aponta um gesto simples, e ao mesmo tempo profundo:

as mãos só voltam quando a alma encontra espaço para respirar.


Quando o homem desacelera o suficiente para perceber o que estava evitando.

Quando o silêncio deixa de ser ameaça e volta a ser lugar.

Quando o toque — seja interno ou externo — deixa de ser risco e volta a ser encontro.


Muitos homens que chegam até mim trazem essa ferida.

Algo foi arrancado no caminho:

a espontaneidade, o afeto, o pedido, o carinho, o descanso, as inseguranças, a verdade.


Mas a boa notícia é que as mãos humanas voltam.

Devagar, no tempo da alma.

Primeiro como uma sensibilidade leve, depois como uma percepção mais profunda, até que o gesto volte a carregar vida.


E quando isso acontece, a masculinidade deixa de ser performance.

Volta a ser real, espontânea, genuína.


Se você sente que suas mãos há muito tempo não tocam nada de verdade - nem a si, nem ao outro - talvez este seja o momento de ouvir esse chamado.


A mão humana não volta pela força.

Ela volta pela honestidade.

Pelo ritmo mais lento.

Pelo encontro consigo.

Pelo contato com aquilo que você deixou no caminho para sobreviver.


Que esta história antiga lhe sirva como um convite:

há partes suas tentando crescer novamente.


Mesmo que lentamente.

Mesmo que fragilmente.

Mesmo que no silêncio.


A vida sempre sabe o caminho de volta.

Se alguma parte deste texto ressoou em você, permita que essa ressonância fique.

Não é preciso apressar um entendimento nem transformar isso em tarefa.

A maturidade começa quando deixamos de fugir do que já está diante de nós.


As mãos internas se restauram no ritmo que a vida suporta.

Nem antes, nem depois.

E às vezes tudo o que podemos fazer é criar um pouco de espaço para perceber o que está tentando emergir.


Que você possa sustentar esse espaço com dignidade.

E, quando sentir que é o momento, dar o próximo passo com a honestidade de quem já não precisa provar nada.


Sigo ao lado, se fizer sentido caminhar junto aqui.


ree

 
 
 

Comentários


MANTENHA CONTATO

E receba informativo sobre eventos, newsletter e descontos nos eventos que vir acontecer.

Obrigado ;)

bottom of page