Falemos sobre a morte
- psificando
- 16 de abr. de 2024
- 3 min de leitura
Atualizado: 14 de mai.
memento mori

Tínhamos um horário para dormir lá em casa, era por volta das 9 horas, mas até onde minha memória consegue alcançar, sempre tive dificuldades de dormir antes das 2 da manhã, embora muitas coisas mudaram, este fato continua inalterado. Foi em uma destas noites difíceis de cair no sono, em que eu encarava a escuridão, com os olhos fitando o teto onde haviam aquelas pequeninas estrelas que brilhavam no escuro, elas já haviam perdido quase todas sua luminescência quando senti ali a primeira grande angústia da minha vida, me deparar com a idéia da morte.
Pode parecer irônico a palavra vida sempre vir seguida da " morte", e quando falamos de alguém que se foi, falamos de sua vida, mais irônico ainda nunca realmente experienciarmos nossa própria morte.
O que quero dizer é que a experiência da morte mais direta que temos é em geral a morte de alguém próximo, experienciamos sua ausência, se é que podemos falar assim, talvez melhor posto seria sua falta de presença, já que ainda sentimos em nosso íntimo que aquela pessoa continuará de alguma maneira nos influenciando em pensamento, e suas histórias viverão enquanto vivemos.
Apenas enquanto vivemos...
Para mim aquela escuridão me tomou como um raio, o temor tomou meu pequeno corpo, eu tinha 14 anos, essa é a idade em que segundo a psicologia a consciência do ego se reconhece como indivíduo formado mais ou menos por essa idade, talvez a morte tenha um papel fundamental nisso.
A morte tem um papel fundamental na vida, na psicologia analítica é muito comum a idéia de um fim implicar um começo, e todo começo implica um fim, este é um paradoxo fundamental em todo processo de transformação, o fim da lagarta é o início da borboleta, o fim de um ciclo implica um recomeço, portanto o fim de uma vida implica o início de algo novo.
A morte permeia meu pensamento, e muitas vezes meus sonhos, ainda hoje vez ou outra acordo tomado de desespero, procuro me acalmar pensando que algo em mim morreu, algo que deveria ir, algo que precisava de um recomeço, uma versão minha, talvez até mesmo um medo tenha morrido e dado lugar a um novo medo, ou talvez das cinzas se purificou em alegria. Um tanto poético, mas como toda arte, a poesia nos salva da morte muitas vezes.
Já pensaste que a consciência é o que nos separa e a morte é o que nos une?
Pensar na morte para mim é uma angústia, pois me vejo apegado a vida, talvez apegado a mim mesmo, minha identidade, minhas experiências, minhas histórias. Para outros a morte é um livramento como para Alvarez de Azevedo, poeta qual melancolia traduzia muito bem meus sentimentos ao confrontar meu jovem Eu com a escuridão eterna.
"Consola-te! nós somos condenados À noite da amargura: o vento norte Nossos faróis apaga... Iremos todos, pobres naufragados, Frios rolar no litoral - da morte, Repelidos da vaga!"
Alvarez de Azevedo
Embora angustiado hoje eu compreendo como a morte é o combustível da vida, é o que nos dá o impulso para criar, o que nos inquieta, é a reflexão sobre a morte que nos faz pensar a vida, sem a morte não existiria a vida, uma caminha de mãos dadas com a outra, ironicamente a vida é um absurdo e a morte absurdamente cria o ritmo da vida.
Eu poderia deixar morrer por aqui, mas ainda hoje li uma frase do filósofo coreano Byung-Chul Han que fala sobre como a nossa sociedade hoje valoriza o desempenho e como a dor é sinônimo de fraqueza, e que esse super desempenho nada mais é do que uma maneira de fugir das questões profundas da humanidade a respeito da morte.
“A vida sem dor é com felicidade permanente não será mais uma vida humana, a vida que persegue e expulsa a sua dor suspende a si mesmo, morte e dor são inseparáveis, na dor antecipa-se a morte, quem deseja eliminar toda dor também terá que acabar com a morte, mas a vida sem morte e sem dor não é uma vida humana mas sim uma morta viva, o ser humano se desfaz a fim de sobreviver, ele alcançará possivelmente a imortalidade, mas ao custo da sua vida”
Byung-Chul Han em Sociedade paliativa
Brunno Germani Daminelli

A vida contem a morte...o corpo fisico so encontra seu total equilibrio quando encontra a morte. Pensando dessa maneira podemo entender que o desequilibrio, os conflitos, as dores, as incertezas...nos confirmam que estamos muito Vivos...quando algo morre em nossa vida podemos dizer que encontrou o seu equilibrio, então não precisa mais existir...ciclos se fecham e se abrem ao londo de nossa existencia....é isso é a beleza da VIDA...