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De Parsifal a Macunaíma: O Reconhecimento da Identidade Brasileira

  • Foto do escritor: psificando
    psificando
  • 6 de mar.
  • 6 min de leitura

Atualizado: 7 de mai.

Em plena quarta feira de cinzas resolvi me aprofundar na jornada do herói, sempre me pautei nos temas europeus visto que toda teoria de Jung foi pautada nas narrativas de seu próprio povo, tanto que ele traz muitos exemplos tanto da tradição cristã quanto da tradição nórdica/germânica (Wotan) e busca fazer um elo entre eles para compreender seu tempo e as dificuldades de integração oriundas de choques culturais daquela época na europa. Como o Carnaval brasileiro traz a tona tanta riqueza e tanta controvérsia resolvi me debruçar sobre esse assunto buscando caminhos de integração olhando para a literatura brasileira, buscando respeitar e honrar nosso povo, nossa construção histórica e nossos antepassados.


A identidade de um povo é moldada por suas narrativas, mitos e modelos de heroísmo. Durante séculos, o ocidente se baseou no arquétipo do cavaleiro, representado pelo mito de Parsifal e sua busca pelo Graal. Esse modelo de masculinidade heróica, estruturado na superação de provações e na repressão de desejos, influenciou profundamente a forma como homens são socializados. No entanto, no Brasil, surge das mãos do contista Mário de Andrade, um herói de outra natureza: Macunaíma, o "herói sem nenhum caráter", que rompe com essa tradição oriunda da europa e aponta para uma identidade fluida, mestiça e essencialmente brasileira.


O Cavaleiro e anti-Herói das americas: Duas Formas de Ser Homem

Parsifal encarna o herói europeu clássico, cuja jornada se baseia na superação de sua ingenuidade para atingir a maturidade. Ele parte de um estado de inocência infantil, rompe com o feminino materno e busca sua plenitude através de uma busca espiritual e moral. A idealização do feminino, no mito do Graal, é central: a mulher aparece como musa ou provadora, podendo ser santa (Branca Flor) ou profana (A Donzela Tenebrosa), mas nunca plenamente integrada ao masculino.


O próprio Graal é um símbolo que representa o princípio feminino divino, o receptáculo do mistério, mas também a busca da iluminação espiritual pelo masculino. A ferida do Rei Pescador é outro elemento crucial: ele foi ferido na coxa, próximo aos genitais, o que simboliza uma masculinidade castrada, incapaz de gerar vida e prosperidade. Essa ferida só pode ser curada quando Parsifal faz a pergunta correta: "A quem serve o Graal?". Esse detalhe reforça a ideia de que a jornada do masculino não é apenas de dominação ou coragem, mas de compreensão e integração do feminino e do mistério da vida, e também do servir a algo maior, a um reino, a outros além do próprio ego.


Macunaíma, por outro lado, não segue essa linearidade em seu desenvolvimento. Ele transita entre o infantil e o adulto, entre a esperteza e a ingenuidade, sem a necessidade ou sequer preocupação de dominar seus instintos. Diferente do cavaleiro europeu, ele não idealiza a mulher, tampouco a reprime. Em sua jornada, as figuras femininas surgem como parte da vida, sem a dualidade entre o sagrado e o profano. Macunaíma vive o princípio de Eros de maneira direta, sem culpa, sem uma meta transcendental. Seu heroísmo não está na disciplina e na superação, mas na fluidez, na capacidade de adaptar-se e reinventar-se.


Outro símbolo central em Macunaíma é a pedra muiraquitã, o amuleto que representa a conexão do herói com seu amor e com sua identidade. Ao perder a pedra, Macunaíma perde também parte de si mesmo e embarca em uma jornada para recuperá-la. Mas a grande diferença é que essa jornada não tem o mesmo desfecho de Parsifal: Macunaíma não encontra um sentido profundo ou uma redenção espiritual; sua busca é marcada pelo improviso, pelo cômico e pelo absurdo. No fim, sua identidade se dissolve, assim como a identidade brasileira parece sempre em constante reinvenção.


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O Choque Cultural e a Repressão de Eros

A oposição entre os dois modelos reflete o próprio encontro entre a cultura europeia e a identidade brasileira. O ocidente, especialmente através do cristianismo e da tradição racionalista, criou uma forte separação entre corpo e espírito, entre desejo e virtude. Essa visão resultou na repressão do Eros, a energia da vida, da criatividade e do prazer. Enquanto o cristianismo enfatizou a culpa e o controle do desejo, muitas tradições pagãs europeias possuíam rituais de fertilidade e celebrações que integravam corpo e transcendência, mas foram suprimidas ao longo da cristianização, acredito que ainda temos muito a aprender com elas.


Já nas religiões afro-indígenas brasileiras, como o Candomblé e o Xamanismo, há uma abordagem mais integrada, onde espiritualidade e prazer não são vistos como opostos, mas como partes da experiência humana. O transe, a dança e os rituais são formas de conexão com o sagrado que envolvem corpo, som e movimento, algo que contrasta com a tradição europeia da introspecção e do afastamento do mundo sensorial. Nos Estados Unidos, por exemplo, essa repressão gerou um culto à guerra, ao consumo e à violência como formas de canalizar o desejo proibido, reprimir nossos instintos .


Os autores do livro "And They Knew Each Other: The End of Sexual Violence" (E eles conheciam um ao outro: o fim da violência sexual), a agressão desmedida e a sexualidade são forças a serem administradas e não reprimidas, essas forças também são faces de Eros que foram banidas e demonizadas, e que em nome da verdade e do amor devem finalmente ser aceitas e afirmadas, a felicidade e a miséria também dependem em certa extensão em como podemos encontrar uma atitude positiva a nossos impulsos internos, enquanto o lado selvagem de Eros for reprimido, continuará ardendo no nosso inconsciente e levando a erupções de impulsos incontroláveis. (O que é na visão dos autores, a via de origem do fascismo)


A arte, em todas essas tradições, também se torna um meio essencial para expressar o que a razão ocidental muitas vezes reprime. Carl Jung via a arte como uma manifestação do inconsciente coletivo, um meio de dar forma aos arquétipos e integrar conteúdos psíquicos profundos. No Brasil, as manifestações artísticas populares, como a capoeira, o maracatu e o candomblé, carregam em si essa fusão de corpo e espírito, permitindo uma vivência simbólica que ultrapassa a dicotomia entre racional e emocional. Macunaíma, enquanto narrativa, é um exemplo dessa arte híbrida, que mistura oralidade, improviso e elementos míticos, criando um novo espaço para a identidade brasileira se manifestar.


No Brasil, a herança cultural indígena e africana manteve viva uma relação mais integrada entre corpo e espírito. Macunaíma simboliza essa integração: sua preguiça é também uma resistência ao ritmo produtivista europeu; sua sensualidade não é vista como pecado, mas como parte do viver. No entanto, ao longo da história, o Brasil tentou se moldar ao modelo europeu e norte-americano, reprimindo essa identidade fluida e celebrativa em favor de uma masculinidade disciplinada e agressiva.


O Resgate de Macunaíma e a Nova Masculinidade Brasileira

Se resgatar Macunaíma significa resgatar Eros, o desafio é encontrar um equilíbrio. Como podemos trazer essa fluidez sem cair na caricatura da malandragem superficial? Como valorizar o prazer sem que isso se transforme em hedonismo inconsequente? A resposta pode estar na construção de uma masculinidade que aceite:


  • O Prazer Como Elemento Legítimo: Trabalhar a relação dos homens com o próprio corpo e desejo, sem culpa ou compulsão, compreendendo que o prazer não é um inimigo da espiritualidade, mas sim um portal para estados mais profundos de conexão consigo mesmo e com o mundo. Culturas ancestrais sempre entenderam que o êxtase físico e emocional pode ser uma via de acesso ao sagrado, algo que o Ocidente reprimiu em sua busca pela ascese.


  • O Feminino Como Parte da Jornada: Abandonar a dicotomia entre a mulher idealizada e a mulher rejeitada, aprendendo a conviver com o feminino interno e externo sem necessidade de controle.


  • A Criatividade Como Caminho: Resgatar o espírito brincalhão e improvisador, trazendo formas de expressão que não sejam apenas a produtividade ou a competição.


  • A Integração Entre Corpo e Espírito: Trazer de volta a dança, a música, a oralidade e os rituais como formas de experiência do sagrado, sem precisar de repressão.


  • A Arte Como Ferramenta de Integração: Seguindo a visão de Jung, incentivar a arte como meio de acessar o inconsciente coletivo e expressar simbolicamente as energias reprimidas da psique masculina.


Conclusão

O Brasil tem a oportunidade de construir um modelo de heroísmo que não seja pautado na guerra, na superação do desejo ou na idealização do feminino. Em vez de buscar apenas se encaixar nos padrões europeus e/ou norte americanos, é possível criar um caminho próprio, onde Macunaíma não seja apenas um fracassado, mas o símbolo da reinvenção necessária do brasileiro que sempre foi pressionado por um caldeirão de culturas, talvez assim podemos ver a masculinidade brasileira com o mesmo olhar que temos de nosso país, um tanto exóticos, diferentes, criativos, acolhedores e persistentes, não somos perfeitos, e justamente por não almejarmos a perfeição conseguimos de alguma maneira acolher as nossas diferenças através desse olhar e atitudes um tanto infantis pelo ponto de vista eurocentrico.

Eu pessoalmente acredito que nosso povo não matou nosso espírito de criança nem escravizou ou reprimiu sua alma como muitos outros povos, ainda conseguimos preservar uma certa inocência necessária para conseguirmos nos abrir, nossa luta e nosso orgulho como povo que lutou contra escravidão literal é uma característica importante para não nos prendermos a idéias e ideais fixos que poderiam escravizar nossa subjetividade, fixando assim nosso olhar sobre o que somos como povo ou como gênero, o brasileiro tem no seu jeito de ser sua própria arte de viver, muito diferente de qualquer outro povo, mas que ainda assim abrange todos eles.

 
 
 

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